Queridos leitores e internautas do Jornal Metropolitano : continuamos nossa reflexão sobre os escritos de Judas. Iremos dar mais alguns passos de conhecimento geral.
Sobre a data da carta, tudo indica que ela foi escrita num período posterior aos Apóstolos ou aos cristãos da primeira geração. Os vv. 3 e 17 indicam esta realidade. A atribuição geral coloca a Epístola escrita entre os anos 80 e 90 d.C. Alguns estudiosos a situam mais tarde, por causa da influência gnóstica e mesmo dos escritos judaicos. Temos o testemunho de muitos padres do período patrístico. Ela aparece pela primeira vez no Cânone Muratori (fim do século II). Já Tertuliano a conhece e a considera um escrito inspirado. Orígenes a aprecia, mas revela uma preocupação pelo fato de utilizar textos apócrifos judaicos. Jerônimo confirma que, ainda no século IV, existiam estes problemas de aceitação. Ela entrará no cânone bíblico somente no início do século V. Em 1546, o Concílio de Trento apenas confirma sua posição nos livros canônicos.
Quanto a seus destinatários, a Epístola apresenta um destinatário de identificação difícil: “aos que foram chamados, amados por Deus Pai e guardados em Jesus Cristo”. Tal indicação é realmente de cunho universal, não fornecendo dado algum específico de identificação. A tradição apresenta o trabalho missionário do Apóstolo Judas na Síria. Poder-se-ia acreditar que estes fossem os destinatários primeiros, mas tal suposição carece de sentido, pois o texto é de cunho epistolar, católico (universal).
Pode-se afirmar que os destinatários eram cristãos vindos em sua maioria do mundo gentio, porque as condutas imorais temidas pelo autor dificilmente fariam parte da vida de judeus-cristãos, cujos hábitos morais eram rigorosos. A presença de uma comunidade de dupla origem (judeus e gentios) explica também a linguagem usada no texto (citações do AT e referências às práticas pagãs).
Outro sistema para se identificar os destinatários da epístola são os adversários citados no texto. Contudo, problemas de conduta ética e moral, bem como a influência da gnose eram realidades presentes em quase todo o império romano, tanto na Palestina, como na Ásia Central, na Grécia ou na própria Roma. Isto é perceptível nas Cartas Paulinas.
Sobre o gênero e o estilo da Epístola de Judas, segue-se a dimensão epistolar. Ela possui um dos vocabulários mais ricos e variados de todo o NT, considerando a proporção do texto. Apresenta termos raros e únicos. No gênero de doxologia, a epístola apresentada por Judas é considerada uma das pérolas mais preciosas do gênero no NT.
A Epístola de Judas está escrita em um bom grego, sendo raras as expressões de origem semítica, algo surpreendente, uma vez que a Epístola remete tantas vezes ao AT e aos escritos judaicos. Contudo, embora em bom grego, o autor revela indícios de sua origem judaica, utilizando fórmulas ternárias (ex. v.5).
Ainda que tenha o estilo epistolar, o texto se apresenta mais como um bilhete, um breve tratado polêmico seguido de uma exortação moral. A obra é de estilo discursivo com exemplos bíblicos e referimentos aos livros apócrifos judeus. O teor do texto mostra relação com a hagadah (memória) e um estreito contato com a cultura palestina.
Encerramos esta reflexão trazendo o objetivo da Epístola de Judas que visa combater as heresias trazidas por homens “perigosos” para dentro das comunidades cristãs. Embora este seja o objetivo principal, o esclarecimento e o fortalecimento da fé, o texto não dá indicações suficientes para se determinar ou identificar quais seriam estas heresias. O autor desmascara alguns que pervertem a doutrina tradicional da Igreja (v.5) e põem em perigo a fé da comunidade.
Estes homens criam divisões entre os fiéis (v.19) e agem como Caim, o incrédulo, ou Coré, o rebelde (v.11) Eles são como animais irracionais (v.10) ou como árvores que estão sem frutos, embora já seja o fim do outono (v.12), como árvores mortas. Ainda são comparados a nuvens impelidas pelo vento e que não dão chuva ou como as ondas do mar (vv.12-13). Eles serão julgados e condenados, como os israelitas rebeldes do deserto (livro de Números), como os anjos culpados (Gênesis) e como os habitantes de Sodoma e Gomorra (vv.5-7 – alusão também a Gênesis). Conforme a palavra de Henoc, o Senhor, em pessoa e rodeado por seus anjos, virá para julgá-los (vv.14s).
Judas os condena por sua conduta imoral, pois procedem de acordo com a concupiscência e maus desejos (vv. 16.18), entregando-se à licenciosidade (v.4) e às práticas contrárias à própria natureza (v.7), maculando a própria carne (v. 23). Buscam disseminar a própria doutrina para poder ganhar dinheiro e favor dos poderosos (v. 16). Os falsos doutores se assemelham aos nicolaítas de Apocalipse 2,6.14s.20.23.
A conduta moral refere-se muito a questões sexuais. Muitos cristãos interpretaram mal a liberdade trazida a eles por Jesus Cristo. Acreditavam que, por terem sido libertados pela graça no batismo e não mais estarem sujeitos ao jugo da lei e das práticas judaicas, eles não seriam mais obrigados a seguir nenhuma lei moral. Alguns cristãos pensavam que, uma vez libertos, tudo o que desejassem fazer seria agora lícito. O autor da Epístola vem combater estas distorções da fé e da conduta cristã. O fato de ser cristão implica ser nova criatura, viver seguindo o modelo de vida de JESUS CRISTO.
Padre Marcelo Lázaro