A Igreja em tempos de pós-pandemia (I)

Atravessamos o “vale escuro da sombra da morte”, um verdadeiro “vale de lágrimas”. Quantos fiéis perderam familiares e amigos, sem mesmo direito a um funeral digno! Quantas lágrimas e soluços escondidos! Quanto medo e apreensão, especialmente por parte de quem se insere em grupos de morbidades. Muitos desejaram ir aos templos chorar seus mortos e seus medos, mas nem isso lhes foi permitido. Tempos difíceis! Neles, a aurora parecia negar o resplandecer da esperança de um novo dia… Não obstante todos esses dramáticos desafios, começamos a indagar: como será a Igreja em tempos de pós-pandemia? Descarto a possibilidade de exercer aqui um tipo de profetismo do óbvio ou do mau agouro. Por isso, proponho recolher algumas contribuições para formular uma série de artigos sobre assunto tão complexo.

O teólogo e músico italiano Padre Pierangelo Sequeri, nomeado pelo Papa Francisco Diretor do Instituto São João Paulo II, publicou um instigante artigo no Jornal “Avvenire”, no dia 08 de abril p.p., com o título “Comeremos com o Ressuscitado. E até mesmo sobrará”. Inicialmente, o autor esclarece o ato de a Igreja cessar seus cultos religiosos, recordando que tal atitude é “por amor ao povo a quem nós servimos e não por covardia diante do inimigo”. Não se trata de minimizar a liturgia. É preferível aceitar nossa impotência diante de uma pandemia do que colocar em risco nosso povo. Esta tem sido a posição das pessoas sensatas, na Igreja da Itália, do Vaticano, do Brasil. Em alguns lugares, movidos por interesses escusos, e não pelo cuidado com a saúde da população, autoridades civis têm liberado cultos religiosos. Mesmo em tais circunstâncias, autoridades da Igreja têm ponderado a viabilidade desses atos, diante das considerações dos agentes sanitários. A vida de nosso povo deve estar sempre em primeiro lugar.

Dom Pedro Brito, Arcebispo de Palmas (TO), num iluminado artigo, publicado no website da REPAM, datado de 09 de maio, assim se expressou amargamente: “O mundo está doente, de uma doença mortal. O novo coronavírus, a COVID-19, veio ao improviso, como um tsunâmi; derrubando certezas científicas, políticas, sociais, econômicas e eclesiais. Por causa disso, estamos em estado de emergência. ‘Até o profeta e o sacerdote vagueiam sem rumo pela terra’ (Jer 14,18)”. O olhar do pastor revela a ternura de seu coração ao recordar-se de sua assinatura no Decreto que suspendia as celebrações nas igrejas. “Lembro-me que no momento em que assinei aquele Decreto, algumas lágrimas caíram de meus olhos. Espero que neste ‘vale de lágrimas’, minhas lágrimas tenham se juntado às de todos que choram as perdas de seus entes queridos. Espero também que todo este sacrifício não seja em vão, mas tenha ajudado a salvar vidas e a acordar a Igreja de pedras vivas que pode estar dormindo dentro de nós”. Certamente, este foi e tem sido o sentimento de tantos outros verdadeiros pastores que prezam pelo bom senso.

Passamos a celebrar com poucas pessoas de forma presencial. À distância, em seus recolhimentos domiciliares, muitos passaram a participar das celebrações de forma virtual. Até mesmo as belas celebrações da Semana Santa e da Páscoa transcorreram nesse formato. Certamente muitas pessoas estavam com vontade de adentrar seus templos, celebrar com seus ministros o Mistério de nossa fé. “De qualquer lugar em que esteja, a Eucaristia mantém sempre viva toda a Igreja. Caso contrário, a Igreja já teria acabado. Sejam poucos ou muitos, em cada situação, os cristãos celebram sempre por todos, jamais apenas por si mesmos”, adverte Padre Sequeri.

Nesses tempos difíceis, de intensa provação, somos chamados a buscar um sentido maior para a vivência de nossa religiosidade. “Devemos aprender a extrair uma palavra de Deus desta desolação, mesmo que isso nos custe muito, para fazer o melhor quando retornarmos do exílio”, enfatiza Padre Sequeri. Afinal, o que a Igreja tem a oferecer é só a missa dentro de nossos templos? Dom Pedro Brito nos lembra que a atitude do cristão, seguidor de Jesus, “deve ser a de solidariedade, de compaixão, de cuidado, de amor pela vida, de comunhão e fraternidade”. A participação no culto é o alimento da Palavra e da Eucaristia para que o cristão viva intensamente seu seguimento a Jesus Cristo.

É neste seguimento a Jesus Cristo que o discípulo-missionário poderá ser testemunha do Evangelho, aprofundando sua espiritualidade, procurando ter em si “os mesmos sentimentos de Jesus Cristo” (Fl 2,15), na partilha, na vida fraterna, na solidariedade. Mais do que a Igreja do culto, somos a Igreja samaritana, a Igreja do cuidado, a Igreja que está a serviço do Reino de Deus presente na história enquanto avança para as realidades últimas. Eis aí os primeiros bosquejos para pintar o lindo painel do ser Igreja em tempos de pós-pandemia. É assim que “poderemos tocar de novo o Senhor ressuscitado, roçar de leve suas feridas, comer com Ele às margens do lago. E sobrará, certamente, para muitos e muitos outros” (Padre Sequeri).

Padre Geraldo Maia

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