A Igreja em tempos de pós-pandemia (III)

A Arquidiocese de Bolonha, na Itália, fez um levantamento a partir de três questões, diante da realidade eclesial imposta pela pandemia do coronavírus: quais as experiências significativas que surgiram; quais as indicações do Espírito e quais as questões urgentes a serem respondidas. Padre Filippo Passaniti, pertencente ao presbitério daquela Arquidiocese, partilhou suas reflexões, feitas à luz da Exortação Apostólica do Papa Francisco, Evangelii gaudium, através de um artigo publicado no dia 10 de maio, no website Settimana News, intitulado: “Apontamentos de um padre ‘no tempo suspenso’”. Consideramos que essas suas reflexões possam ajudar-nos neste momento, denominado pelo autor “tempo suspenso”. Propomos apresentar as principais ideias presentes no referido artigo.

Inicialmente, Padre Felippo passou a elencar experiências significativas vivenciadas. A primeira dessas experiências é o despojamento: “Fomos despojados dos hábitos e das atividades que considerávamos a espinha dorsal de nossa identidade. Isso inevitavelmente pôs em questão nossa identidade de Igreja e de presbíteros. E o trauma requer acompanhamento e tempos longos de elaboração”. A segunda experiência é o sofrimento e desconforto suscitados por algumas confirmações. Nossa prática pastoral habitual ainda se baseia num certo modo de viver a missa, os sacramentos e as devoções pessoais, centrados no clero e nas estruturas paroquiais. Foi também confirmado que “o povo, em sua maioria, está despreparado para viver de modo ativo, criativo e responsável as expressões da própria fé, mas com a surpresa, justamente, de que, apesar de estar despreparado, floresceram muitas expressões criativas familiares”. Isso tem gerado muitas reações, questionamentos, descobertas e surpresas.

Uma das indicações do Espírito Santo à Igreja hoje, segundo Padre Felippo, é que os cristãos devem tornar-se “audazes e criativos ao repensar objetivos, estruturas, métodos, para passar de uma pastoral de conservação a uma pastoral missionária, de proximidade e de encontro pessoal; enfrentar o individualismo cultivando laços, cuidando das relações e da comunhão; cultivar o discernimento e um olhar contemplativo e não de controle, a convicção de que todo o povo de Deus anuncia o Evangelho, a centralidade da Palavra e do querigma, o rosto materno da Igreja”. Segundo o autor, é preciso imaginar e provar formas novas de expressar a vida cristã: “redescobrir a sobriedade e a essencialidade; cuidar da qualidade das relações e a busca de formas de proximidade; desenvolver a criatividade como comunidades paroquiais e especialmente nas famílias”. E continua, com audácia: “reavaliar o sacerdócio dos batizados e, ao mesmo tempo, reavaliar o batismo dos presbíteros, isto é, encorajar a criatividade e a responsabilidade eclesial dos leigos e, ao mesmo tempo, redescobrir uma dimensão humana, evangélica e fraterna da vida do padre, redimensionando tudo o que está centralizado nele: o poder, a visibilidade e as responsabilidades”.

Padre Filippo adverte o leitor que as estruturas mentais e pastorais das quais nos despojamos mantêm, de fato, um grande peso: voltarão com força, a ponto de serem recuperadas e retomadas. O risco é precisamente o de querer recolher as coisas belas e novas que descobrimos, “acrescentando-as” às coisas que sempre fizemos e que inevitavelmente tentaremos retomar, e às pressas, o mais rápido possível. Como poderemos investir energias na busca da proximidade, de elaboração da fé em casa e em família se as estruturas paroquiais estiverem sempre no centro de nossas atividades, pensamentos e investimentos econômicos? Como investir no acompanhamento dos jovens no momento em que se levantam as grandes questões da vida, se nós estivermos todos tomados pela organização das primeiras comunhões e das crismas? Como cuidar das relações e da escuta se a grande parte do tempo será dedicada à organização de atividades e liturgias, sem falar dos compromissos administrativos dos párocos e agora também das obrigações de segurança relacionadas à propagação do vírus? Como colocaremos a Palavra no centro se ela estiver incrustada entre as celebrações das várias missas?

Entre as questões urgentes a serem enfrentadas, Padre Filippo elenca algumas. Em primeiro lugar, está “o acompanhamento das pessoas e das comunidades no desconforto que nos dominará, do ponto de vista econômico, humano-psicológico, espiritual, relacional e comunitário, levando em conta que nós, presbíteros, vivemos e viveremos esse desconforto”. Outra questão urgente nos é acenada pela experiência de desapego que muitos têm vivenciado. É o desapego dramático dos entes queridos falecidos; o desapego de poder encontrar-se com pessoas também muito queridas; o desapego de hábitos e atividades (e ativismo…) que preenchiam os vários aspectos da vida. Por isso, segundo ele, uma palavra importante sobre a qual somos convidados a nos debruçar hoje, como questão urgente, é “abandonar”. Lança um provocante questionamento: “Como acompanharemos as comunidades no abandono aos hábitos consolidados que não correspondem ao tempo em que vivemos e a investirem em caminhos inéditos?”. E arremata com uma indicação ainda mais desafiante: “Será importante como Igreja (e também como presbíteros) dar um nome aos medos; caso contrário, eles dominarão as escolhas (ou não escolhas): medo de tornar-se insignificante, de perder visibilidade, de perder relevância social, de perder identidade, popularidade, controle…”.

Pe. Geraldo Maia

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