Venerada na Igreja Católica desde seus primórdios, como se pode atestar por representações nas catacumbas e ícones antiquíssimos, a figura de Nossa Senhora ocupa um lugar especial na devoção do povo de Deus e na liturgia. Ao longo dos séculos, várias foram as considerações feitas sobre a pessoa de Maria. Digna de nota foi a realização do Concílio de Éfeso, na Ásia Menor, no ano 431, quando foi definida a Maternidade Divina de Maria. A discussão não era tanto acerca da maternidade, mas do fruto de seu ventre. Foi compreendido que Jesus Cristo é Deus desde sua concepção no seio da Virgem. Assim, Maria é Mãe de Deus não na geração eterna, evidentemente, mas na geração histórica do Filho de Deus.
O Concílio Vaticano II não dedicou um documento específico sobre a Mãe de Jesus. Nem por isso deixou de se referir a Maria. A ela foi dedicado um lindo capítulo que coroa a Constituição Dogmática Lumen Gentium. Após apresentar o mistério da Igreja em sete capítulos, o documento dedica seu oitavo capítulo à “Bem-Aventurada Virgem Maria, Mãe de Deus, no Mistério de Cristo e da Igreja”. Trata-se de um belíssimo texto em que os Padres conciliares expõem a doutrina sobre a Mãe de Jesus.
O texto parte de duas referências básicas: bíblica e profissão de fé. O primeiro texto a ser citado é aquele de Gl 4,4-5: “ao chegar a plenitude dos tempos, Deus enviou Seu Filho, nascido de mulher… a fim de recebermos a filiação adotiva”. A citação que vem a seguir é do Símbolo Niceno-Constantinopolitano: “Por amor de nós, homens, e para nossa salvação, desceu dos céus e se encarnou na Virgem Maria, por obra e graça do Espírito Santo”. Palavra de Deus e fé da Igreja são os dois pontos de partida para se referir à Maria Santíssima. Isso manifesta o sentido bíblico e eclesial com que o Concílio desejou referir-se à Mãe de Jesus. Maria é, assim, relacionada a Jesus Cristo, a Palavra revelada, e à Igreja.
Após pontuar os dois referenciais com que deseja apresentar a pessoa de Maria Santíssima, a Lumen Gentium aborda a figura de Maria na economia da salvação. Após referir-se a vários textos do Primeiro Testamento, delineando a figura da mulher e virgem, através da qual Deus traria ao mundo o realizador das esperanças para a humanidade, o documento passa a apresentar Maria no Segundo Testamento. São referidas algumas cenas específicas da presença de Maria em sua relação com Jesus Cristo: anunciação, infância, vida pública, paixão e depois da ascensão. Há um vínculo profundo entre Maria Santíssima e o Filho de Deus.
A seguir, o documento trata da relação entre a Virgem Santíssima e a Igreja. Primeiramente, apresenta a relação de Maria com a mediação de Jesus Cristo. A partir daí, apresenta a maternidade espiritual, mostrando que ela foi “a mais generosa cooperadora” de seu Filho bendito: “cooperou de modo singular, com sua fé, esperança e ardente caridade, na obra do Salvador, para restaurar nas almas a vida sobrenatural. É por esta razão nossa mãe na ordem da graça”. Sendo a Mãe de Jesus Cristo, Maria é Mãe da Igreja.
É nessa perspectiva da cooperação que o Concílio entende a mediação de Maria e dos santos: “assim como o sacerdócio de Cristo é participado de diversos modos pelos ministros e pelo povo fiel, e assim como a bondade de Deus, sendo uma só, se difunde variamente pelos seres criados, assim também a mediação única do Redentor não exclui, antes suscita nas criaturas cooperações diversas, que participam dessa única fonte”. O Concílio fala de uma função subordinada de Maria quanto à mediação que ela exerce junto ao único Mediador entre Deus e os homens.
Pelo lugar especial que Maria ocupa junto a Deus, destinamos a ela um culto especial de veneração, diferente do culto de adoração que prestamos somente a Deus. “Na verdade, as várias formas de piedade para com a Mãe de Deus, aprovadas pela Igreja, dentro dos limites de sã e reta doutrina, segundo os diversos tempos e lugares e de acordo com a índole e modo de ser dos fiéis, têm a virtude de fazer com que, honrando a mãe, melhor se conheça, ame e glorifique o Filho, por quem tudo existe (cf. Cl 1, 15-16) e no qual ‘aprouve a Deus que residisse toda a plenitude’ (Cl 1,19), e também melhor se cumpram seus mandamentos”.
Por fim, a Lumen Gentium assim se expressa: “a Mãe de Jesus, assim como, glorificada já em corpo e alma, é imagem e início da Igreja que se há-de consumar no século futuro, assim também, na terra, brilha como sinal de esperança segura e de consolação, para o Povo de Deus ainda peregrinante, até que chegue o dia do Senhor (cf. 2 Pd 3,10). Sendo este sinal de esperança, somos chamados a dirigir constantes súplicas “à Mãe de Deus e mãe dos homens, para que Ela, que assistiu com suas orações aos começos da Igreja, também agora, exaltada sobre todos os anjos e bem-aventurados, interceda, junto de seu Filho, na comunhão de todos os santos, até que todos os povos, tanto os que ostentam o nome cristão, como os que ainda ignoram o Salvador, se reúnam felizmente, em paz e harmonia, no único Povo de Deus, para glória da santíssima e indivisa Trindade”.
Padre Geraldo Maia