Carta de Tiago

Continuando nossos passos pela Carta de Tiago, o capítulo 4 nos fala do perigo da falsa confiança em si mesmo. O texto retoma o perigo da autoconfiança, numa perspectiva de anúncio dos castigos àqueles que fazem seus projetos sem ter em conta Deus, numa autossuficiência que recorda o pecado original, bem como os ricos que se esquecem da realidade da morte e buscam sua certeza apenas nos bens terrenos. O autor aborda os que acreditam em poder dispor do tempo e do futuro a seu bel-prazer. O texto não critica o programar da vida, nem deseja que se deixe tudo ao fatalismo do “destino”, mas se preocupa com a “certeza” autossuficiente com a qual o homem deseja calcular e dispor de sua vida, sem recordar-se do Senhor Deus, que é o único e verdadeiro dono do tempo. Quem julga ter todo o tempo e se esquece do poder de Deus, caminha por uma via errada. Quem organiza sua vida, seu tempo em função de ganhos, segurança e poder econômico e julga ter seguro e garantido um futuro longo, acolhe a estupidez no lugar da sabedoria. O homem não sabe nem mesmo o que acontecerá amanhã. O Antigo e o Novo Testamento são concordes em dizer: É estupidez desejar dispor de uma vida inteira porque não se é dono nem mesmo do dia de amanhã (Pr 27,1; Eclo 11,18; Lc 12,16ss).

A certeza da caducidade do homem e dos bens terrenos recorda a metáfora da fumaça, que é vista por um tempo breve e depois desaparece. Desta verdade poderia entender o hedonismo, ou seja, o desejo de se gozar a existência numa perspectiva de “teologia natural”. Tiago recorda que isto seria pensar com a sabedoria do homem, mas é Deus quem tem a última palavra sobre a vida. Para Tiago, Deus é o soberano absoluto do destino humano e seu desejo é conduzir à vida. A dependência de Deus é algo benéfico, é dom de sabedoria, é convite à salvação. Esquecer-se da feliz dependência de Deus e buscar uma vida de glória que justifique a própria existência é fechar-se ao dom gratuito de Deus, dom de vida e de salvação.

Por outro lado, uma “fingida” humildade, ou seja, cruzar de braços e aceitar aquilo que a vida concede se torna pecado na mesma linha da soberba. Receber a graça, reconhecer o bem amoroso de Deus, mas não colocar em prática estes dons através das boas obras é cometer pecado de omissão. Desejar governar a si mesmo, buscando glórias e ganhos terrenos sem a presença de Deus é negar-se à salvação. Todavia, ter conhecimento da soberania de Deus e cruzar os braços numa “humilde” aceitação de estado de criatura, sem nada praticar, também é pecado.

Aos ricos Tiago recorda o perigo da sede por ganhos meramente mundanos. Não parece estar escrevendo diretamente aos cristãos (pois a maioria da comunidade era composta por pobres, libertos ou escravos), mas o tema determinante é o anúncio do juízo final da parte daquele que é o defensor dos pobres e dos abandonados. Não é um ataque à riqueza, mas ao apego que os ricos possuem a seus bens, como se fossem superiores em importância e amor do que o próprio Deus. Os ricos acabam afastando-se da comunidade, buscando sempre a superabundância dos bens, os prazeres da vida e a injustiça oriunda do apego ao TER acima do SER.

O texto inicia recordando o AT, especialmente os profetas, convocando um grande luto, um grande lamento como expressão de conversão antes do julgamento final porque o dia do Senhor, o dia do juízo (Is 13,6; Zc 11,2) está perto. A diferença é que agora a ameaça do castigo não é voltada contra o povo, mas sim contra os ricos (Jr 5,26s; Ez 22,24s; Am 5,7s; Mq 2,1s) que confiaram em suas riquezas e se esqueceram do Altíssimo. O autor apresenta a escatologia já iniciada, usando o futuro profético, ou seja, uma realidade como sendo futura, mas que já foi realizada no presente. É a acusação de que os ricos acumularam de forma egoística, sem pensar na responsabilidade social, preferindo deixar seus bens à ruína do tempo do que ajudar os necessitados. O apodrecimento da riqueza, a traça que corrói e a ferrugem do ouro e da prata não significam a caducidade dos bens terrenos, mas visam evidenciar o pecado do rico diante de seu compromisso social. O dever do rico, em gratidão àquilo que possui, seria auxiliar a vida da viúva, do órfão e dos necessitados. Mas o rico que prefere acumular tesouros vãos, no desprezo pelos outros, no dia do julgamento será devorado pelo fogo junto com suas riquezas, pois os tesouros do mundo perecem, enquanto o único tesouro real, que é a vida em Deus, permanece.

A riqueza é vista de forma depreciativa por ser fruto da exploração humana ou por vir da manutenção de um acúmulo sempre crescente que impede a vida de tantos. Existem os exemplos do patrão que frauda o salário do empregado, do juiz que se corrompe e não faz justiça ao pobre e explora o menor. A todos que assim agem, o autor chama de “homem de sangue”, de assassino. Esta injustiça grita ao céu (Dt 24,14-15; Is 5,9; Sal 18,7). O rico que se deixa controlar pelo egoísmo e devora os bens dos pobres, impedindo-lhes uma vida de dignidade, ofende diretamente a Deus. A última ação pecaminosa dos ricos é a condenação e a morte do justo. Aqui, o justo é o pobre. Na Sagrada Escritura, piedoso, justo e pobre são palavras sinônimas. A morte do justo vem exatamente pela corrupção da justiça humana, que busca favorecer sempre o grupo dominante. Em nome da “justiça”, se empregam todos os meios para se favorecer os mais abastados. Mentir, condenar, tirar proveito em nome da justiça é a maior ofensa contra Deus.

Padre Marcelo Lázaro

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