É rica e bela a tradição espiritual que se desenvolveu na Igreja sobre o Sagrado Coração de Jesus. Por isso, neste mês de junho, convido você, leitor, a debruçar-se sobre um itinerário catequético que tem por objetivo refletir sobre a espiritualidade deste Coração ‘‘tão manso, humilde e sereno’’. Esse itinerário é formado a partir de quatro figuras tomadas do evangelho de João e que, juntas, nos levarão a uma vivência autêntica da espiritualidade do Coração do Mestre.
Dito isso, vamos começar nosso caminho de reflexão: a primeira figura que faremos remissão é a do discípulo amado (Jo 13,25). De modo muito particular, vamos atentar sobre um gesto desse discípulo que gozava do amor do Senhor. Esse gesto é o de se reclinar sobre o peito de Jesus, momentos antes do anúncio da traição anunciada de Judas (13,25). Em algumas tradições orientais, o discípulo amado é conhecido como ‘‘hóepistétheios’’ (aquele que se reclina sobre o peito de Deus). Esse gesto é o início de nosso itinerário. Primeiramente, é necessário ao discípulo amado (hoje todos nós) debruçar-se sobre o peito de Jesus, sobre seu Coração para ouvi-lo, aproximar-se d´Ele, querer intimidade com Ele. Somente a partir desse simples ato, o desejo de estar com o Mestre, é que Ele nos responde com sua Palavra. O que não acontece com Pedro, que também estava na ceia, mas não tão próximo de Jesus. Certamente, não adentraremos questões secundárias sobre as figuras de João e Pedro, mas o que permanece é o fato de que somente quem se faz próximo de Jesus (quem tem fé) é por Ele respondido. Quem tem fé em seu Coração.
Esse desejo de intimidade com o Senhor nos leva para a segunda figura de nosso itinerário: o lava-pés. Não o lava-pés em sua integralidade, mas a um simples detalhe: o pé. No evangelho, o pé é símbolo do caminho do discípulo. Caminho que foi purificado por Jesus no belo ato do serviço (doação), e assim os discípulos deveriam purificar os pés dos outros, sendo modelos de seguimento (Jo 13,14). A partir do desejo de estar com Jesus intimamente, começamos nosso caminho com ele. Caminho que é marcado por desafios e vitórias, purezas e impurezas. Na cena bíblica, Jesus purifica os pés, lavando-os, ou seja, limpa a vida dos discípulos para que eles sejam capazes de viver a fé, de amar. É claro que existem pessoas que não seguem o caminho de Jesus, o caminho do amor. Observamos como Judas se comportou, “levantando contra Jesus o calcanhar” (Jo 13,18), ou seja, levantando seu pé (caminho/vida) contra Jesus. Viveu contrariamente ao Senhor.
O seguimento a Jesus, fruto do reclinar-se no peito do Senhor, irrompe em outra realidade, que é central na espiritualidade do Sagrado Coração de Jesus. Essa realidade é a da 3ª e 4ª figuras de nosso itinerário espiritual joanino: a água do batismo e o sangue do amor de Cristo, que jorram de seu lado aberto (Jo 19,34). Os dois símbolos que nos levam a meditar verdadeiramente a espiritualidade do Coração do Mestre: fé e doação/amor. A água (Jo 19,34) que saiu do lado de Cristo evoca a realidade batismal, a realidade da fé. É uma realidade de nascimento, criação de vida. O sangue possibilita a manutenção da vida que para João é a vivência do amor. Só se mantém acesa a chama da fé, vivendo-a no amor (1Jo 4,16-21). A fé é o estágio inicial para o seguimento do Senhor (Jo 2-12) e o amor é o cumprimento da fé (Jo 13-20). Com isso, quando nos reclinamos sobre o peito de Jesus e escolhemos segui-Lo, somos chamados a viver a fé em sua Palavra. Viver a fé cristã é amar incondicionalmente. Fé e amor são os fundamentos de uma espiritualidade do Coração de Jesus. Caminhamos na fé, mas somente a fé não basta, como diz Tg 2,14. A fé é concreta no amor. Encerro esse itinerário lembrando que o amor cristão (ágape) não é sentimento, mas capacidade oblativa (cruz). Ter o Coração de Jesus é dizer (fé) e fazer (amor); esta foi a grande disputa que a comunidade joanina teve com os gnósticos, para quem só a fé bastava. Por fim, Deus é amor e quem ama está em seu Coração. Possamos amar como Ele amou e fazer de nosso coração morada para o Seu.
Sem. Pablo Henrique B. Ferreira
(4º ano de Teologia)