Estamos vivendo num tempo dificílimo no contexto mundial e não é diferente em nosso País, nosso Estado e nossa cidade. Uma realidade jamais imaginada. Tempo de mudanças sem estarmos preparados para tanto. De uma hora para outra, as relações não são mais as mesmas e nosso cotidiano se transformou. De fato, no que imaginávamos ser apenas de passagem e reconstrução de nossas energias diárias está implicando um fenômeno duradouro e implacável. E agora, como ficam as relações humanas frente a essa nova realidade? Vamos girar de vez a chave e apenas concluir: “Agora é cada um na sua”? Afinal, parece que estamos ilhados, justamente num tempo de tanta comunicação.
Penso que não se constroem novas relações apenas pelo fato de estarmos vivendo outro contexto histórico e de imensuráveis dores físicas sem tocar, de maneira profunda, nas dores da alma e do espírito. É preciso relembrar que tão somente sentindo e entendendo essas dores é que nos possibilitamos realmente solidarizar com as dores dos outros. Afinal, de algum modo, o outro é “outro eu” (outra subjetividade) experimentando o mesmo isolamento. Ora, se não assumirmos as dores de nossos irmãos como sendo nossas dores, não seremos tocados pela Misericórdia Divina, pois o amor coletivo é que nos aproxima do amor de Deus.
Dessa maneira, é preciso que aprendamos com o sofrimento, que comecemos a olhar com os olhos da compaixão os que sofrem, muitas vezes vistos como “estrangeiros” pelo simples fato de não fazerem parte de nossas vidas. Amar o próximo é estar atento às ações que nos colocam cada vez mais em proximidade com a prática de oferecer ao outro o que desejamos a nós. E, no fundo, o que mais desejamos não é o isolamento. “Nenhum homem é uma ilha”!
Na prática, diante de uma “quarentena” forçada pelas circunstâncias, como poderemos fazer com que nossas ações se reflitam na vida do outro? Há muitos modos de “sentar à mesa” com o outro, compartilhar dores, conforto, esperança e isto se chama misericórdia que só vem “do coração” mais do que das palavras. Para nós, cristãos, sabemos que a oração é imprescindível, pois ela alimenta a alma e nos coloca próximos de Deus. No entanto, a oração sem uma ação efetiva e comprometida pode levar-nos à ausência do compromisso efetivo com Deus e com nossos irmãos. Sendo assim, nossa verdadeira oração deverá ser uma síntese da vivência profunda e solidária entre o Eu-outro e Deus conosco.
Alguém pode estar se perguntando neste momento: Como construir uma ação de solidariedade com a dor do outro se estou ausente em sua vida? Vamos tentar responder tal indagação trazendo para esta breve reflexão uma passagem do Evangelho de Mateus (25, 34-36) em que Jesus nos diz: Amar o próximo é abrir o coração e praticar as obras de misericórdia: dar de comer a quem tem fome, dar de beber a quem tem sede, cuidar dos enfermos, visitar os presos e acolher os estrangeiros. Se não podemos efetivar essas ações no encontro com nossos irmãos, corremos o risco de tornar esses dias difíceis, marcados apenas por uma quarentena vazia de sentido humano e puramente como um refúgio de proteção individual ou familiar. Fica o apelo para cada um sobre o que fazer, como uma oração na ação, uma vez que alternativas é que não faltam. Se permanecermos no simples “eu-aqui” e o “outro-lá”, certamente Deus não está no meio de nós.
Maria Rita Nascimento Pereira
Coordenadora da Pastoral da Educação da Arquidiocese de Uberaba