O Reinado de Cristo: como reina Jesus em uma Igreja Sinodal?

Cristo Rei e Dia Nacional dos Leigos

  A Igreja, desde a década de 1920, celebra no último domingo do tempo comum a festa de Cristo Rei do Universo, aquele que, segundo o Livro do Apocalipse, é soberano sobre todos os reis dos céus e da terra (Ap 1,5). A figura triunfalista de um Cristo ornado de insígnias monárquicas se apresenta, porém, como uma contradição, negação da espécie de pastoreio que Ele próprio instituiu em sua caminhada sobre este chão. Isso, todavia, não é um problema, mas uma bela chave de leitura e uma abordagem coerente da vida daquele mesmo Mestre que, para nos apresentar o Amor e a Justiça que encaminha para o Reino dos Céus, nos educou a partir das contradições.

      A proclamação da festa de Cristo Rei

            O magistério da Igreja é sempre sábio e atento a responder às demandas de seu tempo, não se esquecendo, porém, que as definições de um período influenciarão sempre a compreensão de fé daqueles que virão. Quando em 1925 o Papa Pio XI proclama a festa de Cristo Rei o mundo sofria as dores da grande Primeira Guerra, ao mesmo tempo em que vivia a expectativa de novos conflitos. A Igreja, cujo magistério era majoritariamente influenciado pelos problemas da Europa, padecia as mesmas circunstâncias, ao mesmo tempo em que tentava lutar contra o avanço de uma onda de pensamento pessimista e ateísta.

            Assim, proclamar que Cristo era Rei servia como o hasteamento de uma bandeira de lucidez contraditória em um mundo fragmentado e mergulhado na histeria beligerante das armas, da sede de poder, do fundamentalismo, do radicalismo político, do avanço de regimes antidemocráticos. Deveria ser isso, ao menos.

            O reinado de Cristo: a coroa da justiça e o cetro da contradição

            Quando Jesus esteve conosco, Deus que se fez carne, escolheu – sempre e no Pai – servir-se dos meios mais simples para manifestar sua glória. Isso em si é manifesta contradição de seu reinado. Não nasceu em palácios, mas no estábulo; não cresceu nas grandes escolas, mas como refugiado; não conviveu com os ricos, mas com os pecadores; não andava em cavalos, mas em jumentos; não morreu como justo, mas como criminoso; seu trono não era de cedro, mas de pobre madeira de cruz.

            Desde o princípio, então, o reinado de Cristo manifesta uma negação do que era estabelecido a fim de dar novo significado a todas as coisas. Isso não quer dizer que ele não reinou, ou que não é Rei, mas sim que o governo do Reino que Ele instituiu em si mesmo e para nosso bem não está amarrado às correntes pecaminosas e injustas do status quo, ou seja, do jeito velho de fazer as coisas.

            Assim era no princípio, e ainda que se tenha perdido a mais bela e simples compreensão do reinado de Cristo como oposição ao reinado da injustiça durante muito tempo, quando em 1925 é instituída a festa que celebraremos, o que a Igreja nos recorda (para aquele tempo e para o nosso) é que aquele Rei permanece reinando e iluminando nossa vida.

            Se nos anos 1920 Cristo Rei lançava luzes sobre o mundo, o fazia também sobre a Igreja, uma Igreja que buscava reorientar-se na história e voltar a sua essência. É neste período que surgem diversos movimentos que levarão à plena concretização do Concílio Vaticano II quatro décadas depois. Parece, assim, providencial que a manifestação gloriosa de Cristo Rei como festa litúrgica seja contemporânea da fresta luminosa que oxigenou as estruturas eclesiais para o futuro. É contraditório, e por isso coerente com a manifestação salvífica do Filho de Deus.

            Cristo continua a reinar

       Passados tantos anos desde a instituição da festa litúrgica de Cristo Rei, o mundo e a Igreja passaram por diversas transformações até aqui: naquele o advento da segunda grande guerra, a tecnologia armamentista e a revolução nuclear, a guerra fria, o período de liberação dos anos 1970, a entrada na pós-modernidade, o tempo da velocidade. No Brasil, a passagem para a vida republicana, a experiência da ditadura e da redemocratização. Já na Igreja, as mesmas dores do mundo somadas à grande virada do Concílio Vaticano II, os movimentos eclesiais de base, o enfrentamento das estruturas obscurecidas, a percepção de uma estrutura hierárquica piramidal e clerical que precisa ser vencida. Sobre tudo isso, Cristo reinou.

        Hoje, à luz do magistério do Papa Francisco, proeminente vigário de um Cristo que reina pela desacomodação, nos vemos frente ao pedido de uma Igreja mais sinodal, ou seja, mais aberta, mais ouvinte, mais livre de uma estrutura monárquica a fim de se tornar verdadeiramente régia, como seu Cristo é Rei.

      É por isso que falar de uma Igreja que contradiz uma estrutura engessada para adentrar em um tempo de Sinodalidade parece ferir muitos ouvidos. Parece contraditório, parece incômodo. Mas como vimos, o reinado do Cristo é verdadeiramente este que nos leva à verdade pelas vias da “aparente contradição”.

            Cristo Rei e Dia Nacional dos Leigos

       Aqui se insere a pertinência de celebrar o Dia Nacional dos Leigos no dia em que se celebra a festa de Cristo Rei. Primeiro, porque Cristo não pode ser proclamado Rei para si mesmo. Louvá-lo como Rei é justo e necessário, é fator inerente a sua natureza divina e soberana, mas deve ser feito como Ele mesmo quis. Quando quiseram fazê-lo rei de poderes humanos, ele se recolheu. Quando quiseram fazê-lo condenado com os mais simples, ele obedeceu.

        Assim sendo, fazer Cristo Rei junto do seu povo caminhante, junto daqueles que sustentam a Igreja no chão da vida e que, por muito tempo, foram esquecidos em sua dignidade, é manifestar a coerência da contradição do Reinado de Jesus para fazer alvorecer a verdadeira manifestação do Reino de uma Igreja Povo de Deus.

      Não só porque cada batizado traz em si a semente do reinado do Cristo, mas porque por desejo e princípio Cristo nos cooptou para seu trono, devemos todos nos sentir convidados à festa de Cristo Rei como partícipes de seu reinado, não como súditos de um Rei distante de nós. Para o leigo e para a leiga, Cristo se fez Rei. No leigo e na leiga, Cristo se faz Rei, pois manifesta neles a voz de uma Igreja que quer ser sinal de contradição no mundo, luz profética em nossos tempos de dissenso e divisão, assim como também era o primeiro século de nossa era cristã, assim como naquela década em que fora proclamada sua festa litúrgica.

Sem. Welder Castro

 

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