Há alguns anos, sempre em tempo quaresmal, tenho escrito no Jornal Metropolitano sobre a importante missão de se rever nossa real experiência cristã num mundo em crise de valores. Sendo assim, tento fortalecer a cada ano o projeto de transformar a Quaresma em um tempo propício à profunda conversão do ser humano, cristão ou não cristão, conforme o calendário litúrgico da Igreja. Afinal, converte-se quem quer seguir o Evangelho, quem se humaniza e faz da humanização uma ação concreta de amor e compaixão.
O Deus de libertação é o Deus que quer a felicidade humana, não só em momentos de festa, de folia. O convite divino implica reparar, sempre e ao longo do ano todo, no significado do olhar cristão sobre nossos valores, nossas atitudes, no modo como assumimos o outro como irmão a ser acolhido e amado com a responsabilidade de um amor exigente. Daí a necessidade da conversão como reparo, como equilíbrio. Quaresma é tempo de renascer, mas não só o renascimento para este tempo quaresmal. É a profunda reinvenção de nossa própria vida, que nunca está completa. Não renasce quem não traz consigo o renascimento de quem o rodeia com suas carências e necessidades.
O Cristianismo, como bem disse Dom Oscar Romero, não é um conjunto de verdades para serem aceitas ou de leis para serem cumpridas. O Cristianismo, antes de tudo, se concretiza e se expressa numa Pessoa, o Cristo, morto e ressuscitado, que nos ama e quer que nosso amor se concretize não só em palavras, mas sobretudo no serviço a todas as pessoas, especialmente aos pobres, sofredores e excluídos (Mt 25,31ss).
A Campanha da Fraternidade deste ano chama a atenção para o tema: “Fraternidade e fome”, e o lema “Dai-lhes vós mesmos de comer” (Mt 14,16). Sendo assim, cabe uma pergunta que nos instiga à reflexão: como anda nossa participação e nossa luta por uma sociedade voltada para os mais necessitados?
É evidente que não desejamos a dor dos ricos, mas quem tem compromisso com um Deus libertador, tem a obrigação de lutar contra um poder que acumula bens às custas do trabalho que oprime, massacra e mata os pobres de diversas maneiras.
Quaresma é isso: preparo para melhor viver a dor como porta de libertação. Libertação de muitas formas que chamamos de pecado: pecado social, pecado da omissão pessoal, pecado do desinteresse pela causa alheia, pecado do desgoverno.
Infelizmente, na maioria das vezes, nos calamos e nos omitimos frente a tanta crueldade e profunda dor dos irmãos que sofrem por falta de um investimento mais decisivo e justo na saúde, na educação, no trabalho, na preservação do meio ambiente, entre outras necessidades básicas para a sobrevivência de nosso povo.
Diante de tantas omissões ou da incapacidade de perceber que a dignidade do bem viver é um presente Divino que devemos vivenciar e preservar é que a Campanha da Fraternidade precisa se fazer presente no meio de nós, como proposta para abrir nossa consciência de tal modo que nos coloquemos, plenamente, a serviço da construção de outro mundo possível. Se o sofrimento do outro não doer em nós, permaneceremos parados numa Fé morta, neutra, sem compromisso, mesmo quando plena de orações e louvores.
Assumir de que lado estamos e a serviço de quem lutamos é o sentido de viver plenamente o Evangelho na Quaresma, com foco numa fraternidade real, como o único caminho para o combate à pobreza, conforme posto no tema da fome, tão difícil e complexo, na Campanha deste ano. Se desejamos encontrar DEUS, que se concretiza no OUTRO –sua imagem e semelhança – não creio haver outro caminho de libertação humana. Ou será que o Cristo teria nos libertado com um “mero ideal” – utópico e inalcançável – de fraternidade? Este é o grande sentido da Paixão, a que a Campanha da Fraternidade nos convida a celebrar: o Deus que me criou me quis, me consagrou para anunciar Seu amor. É missão de todos nós. Deus chama, eu quero ouvir Sua voz.
Maria Rita Nascimento Pereira
Coordenadora da Pastoral da Educação
da Arquidiocese de Uberaba