Querida Amazônia (Parte 3)

Padre Gerado Maia

Nos dois artigos anteriores apresentamos uma leitura das linhas gerais da Exortação Apostólica Pós-sinodal do Papa Francisco, que traz como título “Querida Amazônia”. Na conclusão, o Papa convida a todos “a avançar por caminhos concretos que permitam transformar a realidade da Amazônia e libertá-la dos males que a afligem” (QA,111). Dentre as várias vias para se realizar o encontro com Jesus Cristo vivo, Francisco apresenta “a via mariana” e dirige à Mãe de Jesus Cristo, “Mãe da vida” e “Rainha de todo o criado”, uma linda oração final. Passaremos, agora, a expor algumas curiosidades deste documento, bem como algumas breves considerações.

Geralmente, o título original de um documento do Vaticano é tirado das primeiras palavras do texto em latim. Já nesta Exortação o título vem em vernáculo. Certamente, o Papa quis homenagear os idiomas falados na Região Pan-Amazônica, a partir do português e do espanhol.

Quanto às fontes que serviram ao Papa para redigir essa Exortação, é notável o número de citações que o documento apresenta, seja do Concílio Vaticano II, seja dos últimos Papas: Paulo VI, João Paulo II e Bento XVI, além de documentos do próprio Francisco (Laudato Sì vem citada 28 vezes e Evangelii Gaudium, 14 vezes). Isso revela a continuidade em que a Exortação Apostólica se coloca em relação ao Magistério da Igreja. Verificamos também várias citações de documentos do episcopado latino-americano e de clássicos da teologia, como Santo Tomás de Aquino e São Vicente de Lérins. Digno de nota são as citações de documentos preparatórios ao Sínodo para a Região Pan-Amazônica (o Instrumentum Laboris vem citado 14 vezes). O texto traz ainda citações de 16 escritores e poetas, desde Mario Varga Llosa até Vinícius de Moraes, recolhendo abordagens de representantes da cultura latino-americana.

Francisco elege o sonho como uma espécie de critério hermenêutico: ele contempla o passado e o presente e lança o olhar para o futuro, como fez na Exortação Christus Vivit (cf. ChV,193), chegando a afirmar claramente: “Devemos perseverar na estrada dos sonhos” (ChV,142). Já no documento programático de seu ministério, o Papa afirmara: “Sonho com uma opção missionária capaz de transformar todas as coisas” (EG,27). Nesta nova Exortação Apostólica, Francisco apresenta os quatro sonhos que partem da realidade e a imagina transfigurada pela graça (cf. Gronchi, 12). Os sonhos de Francisco seguem na esteira de tantos personagens, não só bíblicos, que sonharam com um mundo novo. Recordemos aqui Isaías 40,4-5, Apocalipse 21,1-8, M. Luther King dentre outros sonhadores de justiça, paz e harmonia. Os sonhos apresentados pelo Papa são quatro: social, cultural, ecológico e eclesial (cf. QA,7).

Houve várias tentativas de desviar a atenção do Sínodo das questões ecológicas globais. Este é também o motivo de uma excessiva atenção dada, por parte de algumas correntes da Igreja, a temas intereclesiais, mas secundários, gerando grandes polêmicas (cf. Spadaro, 13). Uma dessas questões foi a possível criação de um rito amazônico, mas o Papa preferiu motivar a inculturação dentro do rito latino. Outro tema polêmico foi a ordenação dos viri probati, homens casados, de boa reputação, que poderiam receber a ordenação sacerdotal. Francisco achou por bem não caminhar por essa direção, certo de que não havia consenso na Igreja para isso. Por fim, um terceiro tema que causou certo incômodo foi a possibilidade de ordenação diaconal de mulheres. Nesse sentido, o Papa preferiu valorizar a indispensável missão da mulher sem clericalizá-la.

É digno de nota o lugar de assinatura do documento. Geralmente, os documentos assim finalizam: “Dado em Roma, junto de São Pedro”. A Exortação Christus vivit, fruto do Sínodo para a Juventude, foi apresentada em “Loreto, junto ao Santuário da Santa Casa”. Já a Carta Apostólica sobre o significado e o valor do presépio foi apresentada em “Greccio, no Santuário do presépio”. No fim da Exortação “Querida Amazônia”, assim se lê: “Dado em Roma, na Basílica de São João do Latrão”. Talvez o Papa quisesse dizer que assina o documento na catedral do Bispo de Roma, que preside todas as Igrejas na caridade. Com isso, ele indica que o documento vale não somente para a Amazônia, mas para toda a Igreja Católica e as pessoas de boa vontade, como remete na Exortação Apostólica (DA,4). Assim, o documento parte da Região Pan-Amazônica à Igreja Universal e a toda a família humana, no intuito de que a problemática amazônica, com seus desafios, possa iluminar outras regiões do mundo (cf. Gronchi, 7-9), em busca de uma Igreja com “rosto amazônico”.

Os trabalhos do Sínodo para a Região Pan-Amazônica pintaram, com olhos de discípulos e coração pastoral, um enorme afresco, com tantas cores, luzes e sombras. Isso mostrou ao mundo uma deslumbrante beleza em meio a uma conflitante violência e revelou que tudo está interligado (cf. Spadaro, 14-15). “Querida Amazônia” traz um forte apelo à “profecia da contemplação”. Com olhar atento a esse afresco, a Igreja é chamada a ouvir o grito que se eleva da Amazônia e sustentar a proteção dos pobres e abandonados, especialmente os indígenas. A exemplo do Papa Francisco, ergamos nosso olhar a Maria e a ela digamos:

“Mãe do coração trespassado, que sofreis nos vossos filhos ultrajados e na natureza ferida, reinai Vós na Amazônia juntamente com o vosso Filho. Reinai, de modo que ninguém mais se sinta dono da obra de Deus. Em Vós confiamos, Mãe da vida! Não nos abandoneis nesta hora escura. Amém” (QA,111).

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