Um olhar prospectivo
A experiência da escuta sinodal sobre a Arquidiocese de Uberaba e a Igreja Universal
O olhar sobre a Arquidiocese de Uberaba evidencia uma ótica amorosa, como se vê uma Igreja feita em mutirão. Afinal, ela é aquilo que construímos a muitas mãos, mãos santas e pecadoras, mãos firmes e mãos trêmulas, mãos lisas e mãos calosas, tecendo uma colcha de retalhos, tudo unido por pequenos pontos, descrevendo em forma de mosaico o rosto da Esposa de Cristo (2Cor 11,2), que um dia será “sem ruga e sem mancha” (Ef 5,21-27), desde as terras de “Y–berab”, assim chamada pelos nossos antepassados caiapós e bororos. Descrever as entranhas de uma Igreja Particular é descrever a interioridade de uma mãe (Mater et Magistra 1); e isso só pode ser feito revestido pela reverência do amor (1 Cor 13,4).
Notável e bela foi conclusão do processo de escuta: a Igreja na América Latina e Caribe, por conseguinte a Igreja no Brasil já vive a experiência da sinodalidade – do caminhar juntos. E aí se insere a nossa Arquidiocese, através das assembleias de pastoral, dos muitos conselhos arquidiocesanos, paroquiais e comunitários, os diversos organismos eclesiais, a Escola de Teologia para Leigas e Leigos (ESTELAU), a Escola Fé e Cidadania, a Escola Bíblico-Catequética Dom Aloísio Roque Oppermann e o Plano Arquidiocesano de Pastoral da Igreja de Uberaba (PAPIU) que vai indicando as metas pastorais norteadoras do caminho. Entretanto, nada se compara com a presença fecunda dos cristãos leigos e leigas, mulheres e homens, negros e brancos, bispos, arcebispos, padres, diáconos, consagradas e consagrados que deram e continuam dando testemunho vivo da vibração do Evangelho. Os termos “sínodo” e “sinodalidade” pareceram ser novos em seus significados, não em nossa prática eclesial. A maior riqueza de uma Igreja não são seus bens e estruturas, e sim o povo de Deus, que caminha movido pela esperança (1Tm 1,1). E, nesse sentido, temos um caminho já percorrido e lançamos o olhar para o que está adiante, como se já víssemos o invisível (Hb 11,27). Como “povo santo e pecador” (Oração Eucarística V), percebemos, na serenidade do Espírito, que temos um caminho a ser percorrido nas relações humanas, nas estruturas eclesiais e na participação da construção de uma sociedade mais justa e fraterna. “Ninguém caminha sem aprender a caminhar, refazendo e retocando o sonho pelo qual se pôs a caminhar” (Paulo Freire).
Como tem pronunciado com tanta frequência o Papa Francisco: “o clericalismo (um grupo de pessoas que se sentem superiores aos demais, uma elite de privilegiados) é uma doença a ser combatida diuturnamente”, pois é uma distorção do que nos propõe o Evangelho: simplicidade, espírito de serviço, fraternidade. Esse mal é percebido tanto nos padres, quanto em lideranças leigas. Nesse sentido, é preciso progredir no espírito de conversão a Jesus Cristo servo, pobre entre os pobres, simples com os simples, fazendo do poder um serviço à vida e não um serviço a si mesmo. Para tanto, é preciso cuidar da formação inicial e permanente do laicato, dos seminaristas, diáconos permanentes, padres e bispos.
O ministério episcopal, que é de fundamental importância na vida da Igreja, foi apreciado pela forma simples e humilde como se coloca na animação da Arquidiocese, fazendo-se um entre os demais; por isso mesmo, pede-se uma maior presença nas tomadas de decisões, como também nas visitas às comunidades, animando o processo de sinodalidade, como um apóstolo animando seus irmãos e irmãs.
Nossas comunidades dão uma grande importância ao ministério presbiteral, pois aos padres cabe a animação e articulação pastoral de uma paróquia, em sintonia com a Igreja Arquidiocesana. “O sacerdote vive a eterna juventude da Igreja” (Dom Alexandre Gonçalves do Amaral). Por isso, dele espera-se que seja um reflexo de Jesus Cristo Bom Pastor, enviado em primeiro lugar aos pobres, doentes, prisioneiros, aos que se distanciaram do rebanho, um homem cujo esmero deve ser o ‘caminhar junto’. Que seja um servidor, presente no meio do povo, junto das famílias, dos estrupiados pela dureza do caminho, como animador da fé. No processo de escuta sinodal, muitos se manifestaram sobre a necessidade de uma séria revisão do processo de formação inicial e permanente dos presbíteros, de maneira que possam superar toda espécie de clericalismo, de isolamento e de uma vivência da sexualidade e afetividade que ainda seja de forma não madura. Como também, para que a Igreja reveja sua disciplina quanto ao celibato, e um interesse especial para que os padres que deixaram o ministério presbiteral sejam mais integrados na caminhada eclesial.
Em relação ao ministério dos diáconos permanentes, cujo primeiro e principal altar é servir às viúvas e aos órfãos (At 6,2-5), prefiguração dos desvalidos, abandonados, excluídos da sociedade, sendo um ministério que promova a vida e resgate do sentido de cidadania, só depois deveriam se ocupar do outro altar, o Altar da Eucaristia. “Os diáconos não serão ‘meio-sacerdote’, nem ‘acólitos de luxo’, mas servos cuidadosos que dão o melhor de si para que ninguém seja excluído (…) Espero que vocês sejam sentinelas: não apenas que saibam identificar o afastado e o pobre – não é tão difícil – mas que ajudem a comunidade cristã a identificar Jesus no pobre e no afastado, enquanto ele bate à nossa parte através de vocês” (Papa Francisco).
Há um reconhecimento pela valiosa presença da Vida Religiosa Consagrada na história da Arquidiocese, e dela se espera empenho em caminhar com a Igreja, deixando as marcas do carisma fundacional no rosto da Igreja Arquidiocesana, pois a história é dinâmica. À Vida Consagrada Contemplativa, nos dois Mosteiros e em um Carmelo, pede-se que sejam oásis referenciais de uma sólida espiritualidade bíblica e patrística a ser oferecida a toda Igreja arquidiocesana.
Dos ministros ordenados e da Vida Religiosa Consagrada, espera-se o ensejo de um renovado esforço na recuperação da teologia do Povo de Deus, tão cara ao Concílio Ecumênico Vaticano II. Com a consciência de que são parte deste povo, não melhores nem acima dos demais, portam um serviço diferenciado, advindo do sacramento da Ordem e da consagração religiosa. Espera-se dos cristãos leigos e leigas que tomem consciência mais profunda da cidadania cristã, recebida no batismo. “É preciso acautelar-se da mentalidade que separa sacerdotes e leigos, considerando protagonistas os primeiros e executores os segundos, e levar adiante a missão cristã como único Povo de Deus, leigos e pastores juntos. Toda a Igreja é uma comunidade evangelizadora” (Papa Francisco).
Espera-se, também, dos movimentos eclesiais, um renovado empenho para que caminhem em unidade com a Arquidiocese, abrindo-se sempre mais às diretrizes pastorais da Igreja local, sendo uma presença fomentadora de famílias remidas pelo amor, no cuidado das crianças, jovens e idosos, testemunhando a possibilidade de relações intergeracionais numa sociedade desigual, tendo o devido cuidado para não serem como “ilhas” na Igreja e na sociedade.
Almeja-se que os cristãos leigos e leigas adquiram uma sólida formação da fé, de maneira a testemunhar o Evangelho nas entranhas da família, do mundo do trabalho, na política, na economia, na cultura, nas universidades e na sociedade em geral, como fermento na massa. Neste sentido, precisamos divulgar e incentivar a participação nas escolas de formação da Arquidiocese. Revelou-se uma preocupação quanto à formação dispensada por TVs de inspiração católica, as “Mídias Católicas”, influenciadores digitais católicos, nem sempre em sintonia com uma verdadeira exegese bíblica, com a Tradição Apostólica e o Magistério da Igreja.
Evidenciou-se, na escuta sinodal, uma grande preocupação com o afastamento dos jovens; torna-se urgente encontrar maneiras de falar a seus corações, lembrando-lhes “que Cristo não lhes tira nada, mas lhes dá tudo!” (Bento XVI). E, ainda, que levemos em consideração, em nosso cotidiano pastoral, as muitas exortações do Papa Francisco aos jovens: “Por favor, não deixem para os outros o ser protagonista da mudança! Vocês são aqueles que têm o futuro. Através de vocês o futuro entra no mundo. Continuem a vencer a apatia, dando uma resposta cristã às inquietações sociais e políticas que estão surgindo em várias partes do mundo. Não olhem a vida pela varanda, entrem nela!”. Aos jovens é preciso falar uma linguagem, como a linguagem de Jesus, que movia e encantava as multidões. Quando não tocamos as cordas do coração da juventude, assinamos previamente nosso atestado de óbito.
A Arquidiocese de Uberaba, em sua longa e bela história, recebeu muito de missionárias e missionários, que neste quinhão testemunharam a beleza e a riqueza do Evangelho. A missão está no DNA da Igreja, que existe em vista do anúncio do Reino de Deus. No contexto de várias Igrejas no Brasil e no mundo, é chegada a hora de doar do que recebemos, partilhar nossa riqueza. Nesse sentido, pede-se a elaboração de um projeto formativo, que inclua leigos/leigas, seminaristas e padres, para que sejam enviados em missão, para a Amazônia, como também a outros países. Neste aspecto, as Pontifícias Obras Missionarias e o Centro Cultural Missionário da CNBB oferecem programas formativos. “O homem é capaz de partir e chegar. No entanto, o que o define mesmo é a estrada. (…) O homem é um ser da estrada. Um eterno caminhante. É um peregrino obstinado. É um estradeiro infatigável. Não resiste ao apelo do horizonte misterioso que lhe pede novos passos” (Mons. Juvenal Arduini).
Os diversos conselhos eclesiais são expressões da sinodalidade; por isso, um clamor se fez ouvir, para que sejam deliberativos e não apenas consultivos, efetivando, assim, a corresponsabilidade de todo o Povo de Deus. Incentivar uma maior rotatividade de seus membros, abrindo espaço de participação de novas pessoas, é uma forma de introduzir novos olhares nestas instâncias sinodais. Para levar a sinodalidade adiante, “como o querer de Deus para a Igreja do terceiro milênio” (Papa Francisco), constatou-se a necessidade de criar o Secretariado Arquidiocesano Permanente do Sínodo, para acompanhar o processo da sinodalidade no caminhar da Arquidiocese, considerando o material da escuta, de maneira que cada Paróquia prossiga o caminho iniciado e as que ainda não entraram no processo, possam fazê-lo, procurando implantar as orientações do Sínodo 2023.
Equipe de síntese sinodal, Arquidiocese de Uberaba, MG.