Esse pequeno trecho da oração de absolvição sacramental nos diz muito sobre a teologia e os efeitos do belíssimo Sacramento da Penitência, instituído por Nosso Senhor Jesus Cristo (Jo 20,21) na vida das pessoas. Nós, seres humanos, ao buscarmos a remissão de nossas culpas, que provocam o distanciamento de Deus, procuramos não só restabelecer a comunhão com o Senhor, mas a capacidade de sentirmos paz de espírito de novo diante daquilo que confessamos. Não que um elemento não esteja intrinsecamente ligado um ao outro, porque Deus é a nossa verdadeira paz (Is 9,5). Mas é necessário compreender que o perdão das ofensas acarreta o estado de pacificação da consciência antes pecaminosa e transgressora e que agora foi purificada. Em outras palavras, consciência que entregou seus erros espirituais e de fé ao próprio Deus pelo instrumento do Senhor: o sacerdote. Uma vez entregue o pecado a Deus pelo sacerdote, o penitente não deve mais ficar remoendo seus atos, pois estes já não lhe pertencem; foram sanados pela penitência e pela reta direção espiritual no ato sacramental. No Sacramento da Penitência, deve haver contrição, confissão e satisfação. Em outras palavras, a contrição é o desejo do penitente de mudar diante de um exame de consciência feito sobre seus atos maus; a confissão é a entrega desses atos maus para Deus (Só Ele pode tirar do mal o bem); e a satisfação é a pena que nós pagamos para restituição de nossa comunhão perdida pelo pecado. Essa é uma estrutura que deve ser vivida pelo penitente em sua própria consciência na certeza de que Deus concede o perdão e concomitantemente a paz. No que concerne à parte bíblica do perdão concedido por Deus, prezo muito pela passagem de Jo 8,1-11, que mesmo tendo uma tradição um tanto quanto diferente dentro do corpo textual joanino, nos traz uma ótima reflexão sobre o Sacramento da Penitência. Primeiramente, vemos uma mulher pega em adultério (v.4) e várias vozes que se levantam para condená-la (vv.4-7). O adultério é um pecado grave, e não diz respeito somente à questão sexual dentro da Bíblia, mas é relativa também à adoração de Israel (Esposa de Deus – cf. Ct) para com outros deuses pagãos (Ex 20,3-4; Jo 4). A atitude de Jesus é maravilhosa: Ele se inclina para escrever no chão com o dedo! (v. 6). Ele se inclina, voltando-se para a terra para lembrar da realidade de fragilidade de todo ser humano: tu és pó e ao pó hás de retornar (Gn 3,19). O que ele escreveu não sabemos pelas Sagradas Escrituras. Talvez um segredo porque não sabemos? O segredo e intimidade que envolvem a relação do penitente com Deus? Algo que só Jesus e a pecadora que estava, simbolicamente, no chão (diminuída pela opressão das vozes) poderiam ver? Uma interpretação apenas. Talvez a exegese bíblica discorde destas simples palavras. O que sabemos é que diante das vozes condenatórias, Jesus adverte sobre esta fragilidade que cada um possui (v.7). Essas vozes condenatórias, muitas vezes, fazem com que nós, pecadores, fiquemos sempre no chão, mas Jesus se inclina, nos dá o direcionamento pelas suas palavras (= escrita) e nos diz: ‘‘vai e não voltes a pecar’’ (v.11). É sempre importante ver que o Senhor nos diz para não pecar mais, porque mesmo que as vozes daqueles que acusavam se dissiparam pelas suas próprias limitações, isso não quer dizer que devemos justificar o nosso pecado pelo do outro. Às vezes tendemos a ver tal passagem como um liberalismo de Jesus diante do pecado somente porque todos pecam. O que realmente extraímos dessa pequena passagem bíblica é o perdão e a paz que Jesus concede àquela mulher que estava atormentada por seu erro, de modo a dar um prumo à sua vida: vai e não voltes a pecar. A certeza da remissão pela imensa misericórdia de Deus é a garantia da paz para todos os que se abrem à graça santificadora que age no ato sacramental.
Padre Pablo Henrique